O Brasil registrou um aumento de 2,1% no trabalho infantil em 2024, interrompendo uma trajetória de queda histórica. Segundo dados divulgados nesta sexta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,65 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos encontram-se nessa situação — o equivalente a 4,3% dos 37,9 milhões de jovens brasileiros nessa faixa etária.
O crescimento ocorre após o país ter alcançado, em 2023, o menor patamar já registrado, com 1,61 milhão de jovens em trabalho infantil. Apesar da alta, o índice de 2024 permanece abaixo dos níveis observados entre 2016 e 2022.
Tendência ainda incerta
Gustavo Geaquinto Fontes, pesquisador do IBGE responsável pelo levantamento, pondera que ainda é prematuro afirmar uma reversão definitiva na tendência de queda. “Entre 2023 e 2024, observamos uma variação positiva de 2,1%, mas o nível continua baixo historicamente. A participação na população total subiu apenas um décimo percentual, de 4,2% para 4,3%”, analisa.
O especialista destaca que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua não coletou dados sobre o tema em 2020 e 2021 devido à pandemia de Covid-19, criando uma lacuna na série histórica.
Perfil demográfico evidencia desigualdades
Os dados revelam marcantes disparidades de gênero e raça entre as vítimas do trabalho infantil:
Por gênero:
- Meninos representam 66% do total, com rendimento médio de R$ 924
- Meninas correspondem a 34%, recebendo em média R$ 693 — uma diferença de R$ 231
Por raça:
- Crianças e adolescentes pretos ou pardos: 66% do total, com renda média de R$ 789
- Crianças brancas: 32,8%, com rendimento médio de R$ 943
Definição e marco legal
A pesquisa esclarece que nem toda atividade econômica realizada por menores configura trabalho infantil. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), caracteriza-se como tal aquele que é “perigoso e prejudicial à saúde ou ao desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças” ou que compromete a escolarização.
A legislação brasileira estabelece:
- Até 13 anos: proibição total de qualquer forma de trabalho
- 14 e 15 anos: permitido apenas como aprendiz
- 16 e 17 anos: trabalho com carteira assinada permitido, exceto em atividades insalubres, perigosas ou noturnas
Distribuição regional concentra-se no Nordeste
A análise geográfica de 2024 revela:
- Nordeste: 547 mil casos (líder absoluto)
- Sudeste: 475 mil
- Norte: 248 mil
- Sul: 226 mil
- Centro-Oeste: 153 mil
Piores formas de trabalho infantil em declínio
Um dado positivo emerge da pesquisa: as chamadas “piores formas de trabalho infantil” (TIP), que incluem atividades de alto risco listadas no decreto federal 6.481, atingiram o menor patamar histórico em 2024.
Cerca de 560 mil jovens estavam nessa categoria — queda de 5,1% em relação a 2023 e redução acumulada de 39,1% desde 2016. A maioria desse grupo é formada por adolescentes de 16 e 17 anos (8,3%), predominantemente pretos ou pardos (6,1%).
Bolsa Família e vulnerabilidade social
A pesquisa identificou 717 mil crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil vivendo em domicílios beneficiários do Bolsa Família, com renda familiar per capita de R$ 604. Nesse grupo:
- 40,5% realizavam atividades de autoconsumo
- 30,3% trabalhavam na agricultura
- 91,2% mantinham frequência escolar (acima da média geral)
A frequência escolar entre beneficiários de 16 e 17 anos foi de 82,7%, ligeiramente superior aos 81,8% da média geral — dado relevante, considerando que a assiduidade escolar é condição para manutenção do benefício.
Acúmulo com afazeres domésticos
Um aspecto adicional preocupante: 54,1% das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos realizavam afazeres domésticos ou cuidavam de pessoas em 2024. Entre os que já exerciam atividades econômicas, esse percentual saltava para 74%.
A sobrecarga era ainda mais intensa na faixa de 5 a 13 anos: 79,6% dos que trabalhavam também acumulavam tarefas domésticas, contra 44,9% entre os que não trabalhavam. As meninas eram mais afetadas, com 58% realizando essas atividades.
Análise de contexto
O aumento do trabalho infantil em 2024, embora modesto, acende um alerta sobre a necessidade de políticas públicas mais efetivas. A concentração em populações negras e nas regiões mais pobres do país evidencia que o fenômeno está intrinsecamente ligado às desigualdades estruturais brasileiras.
A redução continuada nas piores formas de trabalho infantil sugere alguma eficácia das políticas de fiscalização e proteção, mas o crescimento geral indica que famílias em situação de vulnerabilidade ainda recorrem ao trabalho de crianças como estratégia de sobrevivência econômica.