Contratos no Fashion Law: Mitos jurídicos que comprometem a sustentabilidade dos negócios da moda.

O setor da moda, embora amplamente associado à criatividade, estética e inovação, é também um dos mais complexos do ponto de vista jurídico-empresarial. A velocidade das tendências, a efemeridade das coleções e a natureza colaborativa das parcerias — que envolvem designers, influenciadores, fornecedores, licenciadores e marketplaces — exigem uma base contratual sólida, muitas vezes negligenciada em nome da agilidade ou da confiança interpessoal.


Contudo, a ausência de formalização adequada, a leitura superficial de cláusulas contratuais e a postergação da assessoria jurídica estratégica têm resultado em litígios recorrentes, perda de ativos intangíveis e, em casos extremos, na inviabilização de marcas promissoras.
Este artigo tem por objetivo identificar e desconstruir três mitos jurídicos frequentemente reproduzidos no ambiente empresarial da moda, demonstrando os riscos práticos decorrentes de tais equívocos e propondo soluções preventivas fundamentadas no Direito Empresarial contemporâneo.

Mito I: “Contratos verbais são suficientes em relações baseadas na confiança”


2.1. Fundamento do equívoco
É comum, especialmente em ambientes criativos como o da moda, que acordos sejam firmados informalmente, seja em conversas presenciais, telefonemas ou mensagens instantâneas. A justificativa subjacente é a de que as relações interpessoais, muitas vezes consolidadas em eventos, desfiles ou redes profissionais, dispensariam a formalização escrita.


2.2. Riscos jurídicos
A despeito da boa-fé subjetiva, o ordenamento jurídico brasileiro exige, em diversas hipóteses, a forma escrita como requisito de validade ou prova do negócio jurídico (arts. 104 e 227 do Código Civil). Ademais, mesmo nos casos em que a lei não exija formalidade específica, a ausência de documento escrito dificulta sobremaneira a comprovação dos termos pactuados, especialmente quanto a prazos, escopos, remunerações e direitos de propriedade intelectual.
Na prática, já se observam inúmeros casos de estilistas que perderam direitos autorais sobre suas criações, marcas que cederam exclusividade involuntária de distribuição e campanhas interrompidas por divergências contratuais não documentadas.


2.3. Recomendação técnica
Recomenda-se, ainda que em relações informais ou experimentais, a adoção de instrumentos mínimos de formalização, tais como: Termos de Compromisso Preliminar; Contratos de Prestação de Serviços Simplificados;
Acordos por e-mail com aceite expresso das partes.


Tais documentos, ainda que sucintos, devem conter, no mínimo: objeto, prazo, remuneração, propriedade intelectual e foro de eleição. Plataformas digitais de assinatura eletrônica podem ser utilizadas para garantir celeridade sem comprometer a segurança jurídica.

Mito II: “Se está escrito, basta assinar — não é necessário analisar o conteúdo”

3.1. Fundamento do equívoco
Muitos agentes do setor da moda, especialmente empreendedores iniciantes ou criativos focados na produção, tendem a assinar contratos sem leitura crítica, sob o argumento de que “todos usam o mesmo modelo” ou “não tenho tempo para isso agora”.


3.2. Riscos jurídicos
Contratos-padrão, especialmente aqueles disponibilizados por grandes players (como marketplaces, produtoras ou franqueadores), frequentemente contêm cláusulas abusivas ou desequilibradas, tais como:
Transferência automática e irrestrita de direitos autorais (art. 49 da Lei nº 9.610/98);
Cláusulas penais desproporcionais; Exclusividade tácita ou irrevogável; Eleição de foro distante ou jurisdição estrangeira sem negociação prévia.
Essas disposições, quando não identificadas previamente, podem resultar em perda de autonomia criativa, limitação de mercado e até mesmo responsabilização ilimitada.


3.3. Recomendação técnica

Antes da assinatura de qualquer instrumento, recomenda-se a análise minuciosa das seguintes cláusulas essenciais:
Objeto e escopo da prestação; Prazos e condições de entrega; Remuneração e forma de pagamento;
Propriedade intelectual e direitos conexos; Rescisão e penalidades; Foro e legislação aplicável.
A contratação de assessoria jurídica especializada em Direito Empresarial e Fashion Law é medida preventiva indispensável, capaz de transformar um contrato genérico em instrumento estratégico alinhado aos interesses do cliente.

Mito III: “Assessoria jurídica é custo — só deve ser acionada em caso de crise

4.1. Fundamento do equívoco
Há, ainda hoje, uma percepção equivocada de que o departamento jurídico ou o advogado externo são meros “bombeiros”, cuja função se restringe à resolução de conflitos já instalados. Tal visão ignora o papel estratégico do Direito Preventivo na gestão empresarial.


4.2. Riscos jurídicos
Adiar a consultoria jurídica até o surgimento de um problema concreto significa lidar com danos muitas vezes irreversíveis: marcas não registradas, contratos mal redigidos, campanhas suspensas por violação de direitos, processos trabalhistas decorrentes de parcerias mal estruturadas com influenciadores, entre outros.
O custo de um processo judicial ou de uma rescisão contenciosa pode superar em dezenas de vezes o investimento inicial em consultoria preventiva.


4.3. Recomendação técnica
O jurídico deve ser integrado ao planejamento estratégico da marca desde seu nascedouro, atuando em:
Estruturação societária e proteção de ativos;
Registro de marcas e desenhos industriais junto ao INPI;
Elaboração de contratos sob medida para cada tipo de relação (fornecedores, lojistas, influenciadores, licenciamentos);


Compliance em campanhas publicitárias e uso de imagens;
Gestão de riscos em expansão internacional.
Nesse contexto, o advogado deixa de ser um agente de contenção de danos para tornar-se um parceiro de negócios — capaz de antecipar riscos, propor soluções criativas e contribuir para a sustentabilidade jurídica do empreendimento.

Conclusão

O universo da moda, apesar de sua natureza volátil e emocional, demanda solidez jurídica. Criatividade e inovação não são incompatíveis com segurança contratual — muito pelo contrário: prosperam quando amparadas por instrumentos bem estruturados.


Desconstruir os mitos aqui apresentados é condição essencial para que marcas, designers e empresários do setor possam crescer com autonomia, proteção patrimonial e liberdade criativa. Contratos não são obstáculos; são alicerces. E no Fashion Law, como em qualquer segmento empresarial, o Direito não deve chegar depois do problema — deve caminhar junto da ideia.


A advocacia empresarial especializada, portanto, não é um luxo — é uma necessidade estratégica. E sua presença precoce pode fazer a diferença entre uma marca efêmera e um legado duradouro.

Por: Dra. Ana Paula D’Emìlio

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